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10 Canções para o Dia Seguinte - por Patrícia Raimundo

No dia a seguir há quem diga adeus sem olhar para trás, há quem prometa voltar a fazer tudo outra vez e há também quem espere de rolo da massa na mão antes de apanhar o comboio de vez. Há quem não tenha medo de assumir os acontecimentos e há quem prefira fugir deles. E há quem acenda a lareira e que fique mais um bocado. Há quem fantasie com a noite passada e há quem simplesmente goze o momento. Tudo pode acontecer no dia seguinte. De preferência, com banda-sonora a condizer!

1. “Goodbye Stranger”, Supertramp [1979]
A minha história com os Supertramp daria pano para mangas. Aquilo que começou como um tímido guilty pleasure, acabou por se tornar um prazer cada vez mais assumido. Adoro o “Breakfast in America”, que comprei em vinil (a edição original, de 79!), em sabe-se lá que mão, por 30 cêntimos, num estado perfeito: bastante manuseado (o suficiente para ter história) mas a rodar de forma impecável. Quando o tema veio à baila, na minha cabeça a agulha voltou a pousar neste “Goodbye Stranger”. Porquê? Basicamente, é o hino perfeito para as manhãs do dia seguinte: foi muito bom, a sério, mas tenho de ir andando, que a vida está é lá fora. Para além de contar a história de um “ladies man” sem amarras, a canção tem tudo aquilo que eu gosto na banda inglesa: as teclas a marcar o tempo, falsete q.b., um assobiozito pelo meio e um final de guitarras sem fim.

2. “History Eraser”, Courtney Barnett [2013]
Dei de caras com esta canção há dias, na rádio, e foi o mote para descobrir um pouco mais sobre esta australiana. Adoro o feeling grunge da canção e a forma quase spoken word com que descreve uma noite de demasiado vermute e margueritas. “History Eraser” é a canção para aqueles dias seguintes sem ressaca: porque no dia seguinte continuamos todos bêbedos, a trocar saliva uns com os outros e a citar Rolling Stones lá pelo meio. E no táxi para casa ainda prometemos que o dia seguinte ao dia seguinte será a mesma festa.

3. “Nobody Knows The Way I Feel This Morning”, Dinah Washington [1963]
Ele voltou a não dormir em casa. No dia seguinte, ela disse basta. Sou completamente apaixonada por cada um dos oito minutos e meio deste blues: é fascinante a forma com que Dinah Washington destila raiva e descarrega frustrações sem nunca perder a compostura. Nem mesmo quando grita – preferia morrer a desfazer-se em gemidos e lágrimas por um homem que não merece mais que um rolo da massa bem assente na cabeça e um lugarzinho no cemitério local. Sim, em “Nobody Knows The Way I Feel This Morning”, Miss Washington não está para medir as palavras. Mas fá-lo com uma classe invejável.

4. “Lola”, The Kinks [1970]
What happens in Soho stays in Soho. Sobretudo se no dia seguinte se tiver a confirmação de que nem tudo o que parece é. Histórias como esta não faltam por aí: afinal, os relatos de noites tórridas com travestis sempre fizeram parte do imaginário rock ‘n’ roll. Mas poucas serão tão deliciosas como a de “Lola”, uma mulher de voz grossa que seduz um rapazito inexperiente num bar onde se bebe champanhe como quem bebe Coca-Cola. O melhor deste tema dos Kinks – para além de ser completamente viciante – é que não há nele qualquer tipo de desgosto, vergonha ou arrependimento que tantas vezes encontramos nas manhãs seguintes: só um fascínio apaixonado e quase mágico pela “sua” Lola. “I know what I am and I’m glad I’m a man, and so is Lola”. Sweet, sweet, sweet!

5. “Oh You Pretty Things”, David Bowie [1972]
Os dias seguintes não têm de ser todos sinónimo de despedidas fugazes, ressacas hard core, mulheres que esperam de rolo da massa em punho ou de surpresas entre lençóis. Gosto de pensar que ainda há muitas manhãs seguintes de pequeno-almoço e café no conforto da lareira. Apesar de este “Oh You Pretty Things” ser muito mais do que uma canção sobre manhãs de ronha, é nisso que penso quando ouço a ordem dada ao piano: “Wake up, you sleepy head. Put on some clothes, get out of bed”. É para já!

6. “Life Ain’t Enough for You”, The Legendary Tigerman com Asia Argento [2009]
Primeiro single para o excelente álbum “Femina”, “Life Ain’t Enough For You” é, para mim, uma ode às noites que se transformam em dias vazios. Um dueto de luxo entre Paulo Furtado e Asia Argento, em que a guitarra e o foot stomping funcionam como uma cortina transparente: do lado de lá há incertezas, expectativas goradas e copos de vinho em noites demasiado curtas para o que se quer fazer.

7. “A Noite Passada”, Sérgio Godinho [1972]
A canção ideal para manhãs de melancolia. Aquelas em que, ainda a quente, relembramos a noite passada uma e outra e outra vez na nossa cabeça e tentamos descrevê-la da forma que podemos (e queremos) lembrá-la. Fomos sereias e gaivotas.  E voámos. Mesmo que o dia seguinte nos tente convencer do contrário.

8. “On a Sunday”, Mungo Jerry [1971]
Quem disse que os dias seguintes têm de ser sempre estranhos, difíceis e complicados? No dicionário dos Mungo Jerry nem sequer cabem palavras deste tipo. Para Ray Dorset e companhia, todos os dias são dias de bater o pé e em “On a Sunday”, então, têm uma fórmula mágica para passar a semana incólume: sonhar de segunda a sexta e no sábado “it’s time to make love and be free”. Afinal, no dia seguinte é domingo, “no need to worry, just have a good time”. Enjoy. Tão simples quanto isso.

9. “Barco Negro”, Amália Rodrigues [1954]
Provavelmente, um dos meus fados preferidos de sempre. Os primeiros versos deste “Barco Negro” revelam um sentimento tão feminino que ainda tenho dificuldades em acreditar que foram escritos por um homem: “De manhã que medo que me achasses feia/Acordei tremendo deitada na areia”. O dia seguinte da personagem deste poema de David Mourão Ferreira não podia ser mais trágico, mas é capaz de ser, por isso mesmo, um dos mais belos desta lista.

10. “High-Speed Love”, Walter Benjamin (2012]
“The Imaginary Life of Rosemary and Me” podia ser toda a banda-sonora da nossa vida moderna, cheia de contra-ordenações, viagens, aventuras, amores em excesso de velocidade e dias seguintes de fuga. “High-Speed Love” é um tema fresco e descomplicado que só revela aquilo que já vínhamos a aprender há algum tempo: Walter Benjamin é mestre em fazer de coisas simples canções maravilhosas.

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